Método de cobrança de glosas na análise tardia de prestação de contas de
convênios
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Autor : Kalinca de Carli
POSTADO POR : VANESSA BAGGIO,
advogada especialista em Direito Médico e Direito do Consumidor
Nos convênios e instrumentos
congêneres, os juros moratórios funcionam como uma sanção pelo não-adimplemento
pontual de obrigações pactuadas que redundaram em irregular e má aplicação dos
recursos financeiros repassados.
Nos casos de convênios já
encerrados, questiona-se a forma de cobrança das glosas, especificamente quanto
ao marco final de incidência de correção monetária e juros moratórios em caso
de atraso por parte da Administração na conclusão da análise da prestação de
contas.
De início, vale ressaltar que o
julgamento das contas e a apuração do quantum debeatur do convenente têm prazo
de conclusão previsto no art. 76 da atual Portaria Interministerial MP/MF/CGU
nº 507/2011, a seguir transcrito:
“Art. 76. A autoridade competente
do concedente terá o prazo de noventa dias, contado da data do
recebimento, para analisar a prestação de contas do instrumento, com fundamento
nos pareceres técnico e financeiro expedidos pelas áreas competentes.
§ 1º O ato de aprovação da
prestação de contas deverá ser registrado no SICONV, cabendo ao concedente
prestar declaração expressa de que os recursos transferidos tiveram boa e
regular aplicação.
§ 2º Caso a prestação de contas
não seja aprovada, exauridas todas as providências cabíveis para regularização
da pendência ou reparação do dano, a autoridade competente, sob pena de
responsabilização solidária, registrará o fato no SICONV e adotará as
providências necessárias à instauração da Tomada de Contas Especial, com
posterior encaminhamento do processo à unidade setorial de contabilidade a que
estiver jurisdicionado para os devidos registros de sua competência.” (grifou-se)
No tocante à incidência de
correção monetária e juros moratórios sobre os débitos apurados por ocasião da
análise da prestação de contas, verifica-se que a Instrução Normativa nº
56/2007 do Tribunal de Contas da União – que trata da instauração e organização
do processo de tomada de contas especial – dispõe em seu art. 8º unicamente
sobre o marco inicial dessa incidência, restando silente quanto ao respectivo
termo final. Veja-se a dicção do dispositivo citado:
“Art. 8° Os juros moratórios e a atualização
monetária incidentes sobre os débitos apurados devem ser calculados com
observância da legislação vigente e com incidência a partir:
I – da data do recebimento dos
recursos ou da data do crédito na respectiva conta-corrente bancária, no caso
de ocorrência relativa a convênio, contrato de repasse ou instrumento
congênere;
II – da data do evento, quando
conhecida, ou da data de ciência do fato pela Administração, nos demais casos.
Parágrafo único. No caso de
desaparecimento ou desvio de bem, a base de cálculo dos encargos deve ser o
valor de mercado ou o de aquisição de bem igual ou similar, no estado em que se
encontrava, com os acréscimos legais.”
No caso de convênios e
instrumentos congêneres que envolvam transferência de recursos públicos, tem-se
uma conjugação de esforços entre as partes em que é ausente a busca pelo lucro,
atuando os envolvidos em regime de mútua cooperação para atender interesses
recíprocos. Esse, inclusive, é o entendimento que se extrai da dicção do caput
do art. 1º do Decreto nº. 6.170/2007, verbis:
“Art. 1º Este Decreto regulamenta
os convênios, contratos de repasse e termos de cooperação celebrados pelos
órgãos e entidades da administração pública federal com órgãos ou entidades
públicas ou privadas sem fins lucrativos, para a execução de programas,
projetos e atividades de interesse recíproco que envolvam a transferência
de recursos oriundos do Orçamento Fiscal e da Seguridade Social da União.
(Redação dada pelo Decreto nº 6.428, de 2008.)” (grifou-se)
Sobre o tema também discorre
Paulo Grazziotin[1], nos seguintes termos:
“Os convênios, atualmente regidos
pelo Decreto nº. 6.170/2007 e pela Portaria Interministerial nº. 127/2008, são
os principais meios de transferência de recursos e caracterizam-se por serem
acordos administrativos que visam, geralmente, a conjugação de esforços, para
realização de ações de competência comum ou concorrente, em regime de mútua
colaboração, buscando o alcance de objetivos comuns (interesse recíproco, com a
obtenção de melhor rendimento no emprego de seus recursos).
Enquanto acordo administrativo
colaborativo, não visa, a princípio, a concessão de ‘apoio financeiro’, mas a
execução descentralizada de programas de governo.
(...)
Conforme pode ser observado, não
importa a denominação que se dê ao instrumento, pois o que definirá o instituto
será a sua essência, as suas características, ou seja, a participação de
órgão/entidade da administração pública federal como transferidor de recursos,
interesse recíproco, mútua cooperação e ausência de lucro.”
A par disso, mostra-se também
oportuno trazer a lume a distinção jurídica entre juros compensatórios e
moratórios.
Os juros compensatórios (também
denominados remuneratórios) objetivam “remunerar o capital emprestado no
período em que o seu titular dele ficou privado. Eles representam uma espécie
de preço pago pelo “aluguel” do capital e também uma álea que sobre ele recai,
a partir do momento em que o credor dele é alijado”[2]. Não dizem
respeito, pois, a inadimplemento de obrigações pactuadas.
Já os juros moratórios “traduzem
uma indenização para inadimplemento no cumprimento da obrigação de restituir
pelo devedor. Funcionam como uma sanção pelo retardamento culposo no reembolso
da soma mutuada. Apartam-se dos juros compensatórios pois se assentam na ideia
de culpa do devedor”[3].
É de se ressaltar ainda que, nos
termos do art. 396 do Código Civil, “não havendo fato ou omissão imputável ao
devedor, não incorre este em mora”. Em tal hipótese, portanto, não há de se
falar em adição de efeitos patrimoniais representados pelos juros moratórios.
Com isso, tem-se que, nos
convênios e instrumentos congêneres, os juros moratórios servem como uma
espécie de indenização pelo adimplemento tardio de alguma obrigação pactuada ou
pela verificação de ilegalidades ou impropriedades em que há culpa do
convenente. Em verdade, funcionam como uma sanção pelo não-adimplemento pontual
de obrigações pactuadas que redundaram em irregular e má aplicação dos recursos
financeiros repassados.
Daí porque a cobrança de juros
moratórios em tais tipos de avença não tem a finalidade de recompensar ou
remunerar o concedente pelos recursos financeiros repassados que foram
irregular ou insatisfatoriamente aplicados durante a vigência do ajuste, mesmo
porque, como visto, os convênios e instrumentos congêneres não possuem
finalidade lucrativa.
Desse modo, entende-se, a teor do
disposto no já citado art. 396 do Código Civil, que somente havendo fato ou
omissão atribuível ao convenente incorrerá este em inadimplência ou atraso no
cumprimento de suas obrigações, fazendo nascer, daí, justa causa para a
incidência de juros de mora.
Por conseguinte, no período
posterior ao prazo regulamentar durante o qual, por inércia exclusiva da
autoridade administrativa federal (concedente), a análise das contas finais do
ajuste não foi concluída, reputa-se indevida a incidência de juros moratórios,
já que a mora, no caso, não é imputável à outra parte (convenente), não cabendo
a esta, pois, suportar as consequências financeiras daí advindas.
De fato, a cobrança de juros
moratórios após o prazo final para a análise da prestação de contas feriria os
princípios administrativos constitucionais da razoabilidade, da moralidade e da
segurança jurídica, além de caracterizar enriquecimento ilícito da
Administração.
Por certo que, se a autoridade
concedente, de um lado, tem o direito de se ver ressarcida do adimplemento
tardio de alguma obrigação pactuada, não pode, por outro lado, beneficiar-se da
demora em exercer esse mesmo direito para exigir da outra parte (convenente)
pagamento de quantia que não seria devida caso a prestação de contas fosse
analisada e finalizada dentro do prazo regulamentar.
Até porque, como visto, os juros
moratórios não visam compensar a Administração pelo período de tempo em que ela
ficou privada dos recursos financeiros repassados, nem os convênios e
instrumentos congêneres têm por escopo a obtenção de lucro. Entender de forma
contrária equivaleria, pois, a desvirtuar a natureza jurídica de tais
institutos, além de configurar locupletamento ilícito do concedente.
Desta feita, com alicerce nos princípios
administrativos constitucionais e na própria natureza jurídica dos juros
moratórios e dos convênios, entende-se que, nas cobranças de glosas relativas a
ilegalidades e impropriedades apuradas em tais espécies de ajuste, é correta a
cobrança de juros moratórios somente até o fim do prazo regulamentar para
análise do órgão concedente.
De outra banda, no concernente à
correção monetária, insta salientar que se trata, não de acréscimo pecuniário,
mas de mera reposição do valor real da moeda, consumido pelo fenômeno
inflacionário. Tal atualização não depende, pois, de culpa das partes e não
representa um plus nem uma penalidade, mas somente a eliminação das distorções
no valor da moeda para obtenção de seu real patamar.
Sobre o tema, é oportuno
consultar a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, ilustrada no aresto
a seguir colacionado:
“TRIBUTÁRIO. CORREÇÃO MONETÁRIA
INCIDENTE SOBRE MULTA. REPETIÇÃO DO INDÉBITO. 1. A correção monetária incide
sobre o valor da multa recolhida indevidamente, sob pena de enriquecimento
ilícito da Fazenda Pública. 2. "A correção monetária não se constitui em
um plus; não é uma penalidade, sendo, tão-somente, a reposição do valor real da
moeda, corroído pela inflação. Portanto, independe de culpa das partes
litigantes" (Primeira Turma, AgRg no REsp n. 258.039/PR, relator Ministro
José Delgado, DJ de 23.10.2000). 3. Recurso especial improvido.”(REsp
525.402/SC, Rel. MIN. JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, SEGUNDA TURMA, julgado em
17/10/2006, DJ 07/12/2006, p. 284)
Nesse sentido, caso não ocorra a
correção monetária sobre o valor do débito apurado na prestação de contas
final, estaria o convenente se enriquecendo ilicitamente e obtendo vantagem
indevida pelo não-cumprimento regular de suas obrigações conveniais, situação
agravada sobretudo nos casos em que a análise das contas pelo órgão repassador
alonga-se por vários anos, fazendo com que o quantum devido possa,
eventualmente, vir a se tornar irrisório.
Logo, entende-se que a correção
monetária deve incidir mesmo após o prazo final de análise da prestação de
contas de convênios e instrumentos congêneres, até a data do efetivo
recolhimento dos valores devidos, visto tratar-se de mera adequação do montante
pecuniário ao seu patamar real.
Em suma, portanto, considera-se
que eventuais glosas advindas de impropriedades ou ilegalidades de
responsabilidade do convenente devem ser calculadas com atualização monetária e
juros moratórios incidentes até o término do prazo regulamentar de que dispõe a
Administração para conclusão da análise da prestação de contas, após o que
somente a atualização monetária do montante apurado se mostra correta, a
incidir até a data do efetivo recolhimento da dívida.
Bibliografia:
COUTO, Anderson Rubens de
Oliveira; RAMOS, Henrique Barros Pereira; GRAZZIOTIN, Paulo. A contratação
na Administração Pública. Belo Horizonte: Fórum, 2009.
FARIAS, Cristiano Chaves de;
ROSENVALD, Nelson. Direito das obrigações. Rio de Janeiro: Lumen Juris,
2008.
Notas
[1] COUTO, Anderson Rubens de
Oliveira; RAMOS, Henrique Barros Pereira; GRAZZIOTIN, Paulo. A contratação
na Administração Pública. Belo Horizonte: Fórum, 2009, p. 353.
[2] FARIAS, Cristiano Chaves de;
ROSENVALD, Nelson. Direito das obrigações. Rio de Janeiro: Lumen Juris,
2008, p. 450.
[3] FARIAS, Cristiano Chaves de;
ROSENVALD, Nelson. Direito das obrigações. Rio de Janeiro: Lumen Juris,
2008, p. 450.
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